Precisamos falar sobre saúde mental nos condomínios

17 jan | 9 minutos de leitura
Precisamos falar sobre saúde mental nos condomínios
Com o boom de casos de burnout, ansiedade e depressão, a campanha Janeiro Branco incentiva a adoção de hábitos que trazem equilíbrio emocional

Começo de ano é o momento em que tradicionalmente se reserva para fazer aquela reflexão sobre a vida e os relacionamentos, estabelecer metas, projetos e sonhos para o novo ciclo. Entre as resoluções, costumam aparecer: inscrever-se em um curso, mudar de casa, ser mais organizado e produtivo e cuidar da saúde – e que tal incluir aqui uma atenção especial às emoções?

Justamente nesta ocasião em que as pessoas estão mais inspiradas e motivadas para revisar suas vidas que acontece a campanha Janeiro Branco de conscientização sobre saúde mental.

Em tempos pós pandemia, falar sobre saúde mental nos condomínios é importante tanto para o síndico – que viu crescer exponencialmente o volume de demandas e conflitos – quanto para moradores – que passaram a ficar muito mais tempo em casa, principalmente com a consolidação do home office.

Nesta matéria, trazemos para vocês as lições de uma síndica profissional que superou o burnout; informações, orientações e sugestões práticas para síndicos, administradoras e moradores abordarem o assunto saúde mental nos condomínios, aproveitando oportunidades e espaços do empreendimento para convidar a todos a uma vida mais equilibrada.

Dados alarmante da OMS: doenças mentais vão matar mais que as cardíacas

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2022, quase um bilhão de pessoas vivem com algum transtorno mental, cenário agravado pela pandemia de covid-19.

Se você mesmo não passou, certamente conhece alguém que teve episódio de burnout – que virou doença ocupacional em janeiro de 2022 – , ansiedade ou depressão. E num país onde milhões de pessoas moram em apartamentos, condomínio também é lugar para falar de saúde mental.

Tanto é que a palestra de encerramento da última edição do Conexão SíndicoNet, em  2022, foi Equilíbrio e resiliência emocional para síndicos na nova gestão de condomínios residenciais.

Na visão da palestrante, a terapeuta especializada em dor e trauma Luciana Ross, no pós pandemia, os síndicos ocupam o solitário papel de liderança, envolvendo tomadas de decisão em tempo recorde num cenário que envolve saúde mental – não mais do lockdown, mas do home office estabelecido.

Na pandemia, surgiram 9 novas doenças emocionais (OMS) e está previsto que em 2030, as doenças mentais vão matar mais do que as doenças cardíacas. Dados atuais da OMS indicam que:

  • 86% dos brasileiros apresentam algum tipo de transtorno emocional;
  • 37% apresentam quadro severo de estresse;
  • 59% apresentam quadro severo de depressão;
  • 63% apresentam quadro severo de ansiedade;
  • Brasil é o país mais ansioso do planeta;
  • Brasil é o 2º país com mais casos de burnout.

Estes, e muitos outros dados alarmantes, foram apresentados por Luciana, numa palestra com objetivo de trazer reflexão – e também soluções – para um assunto incômodo, porém, necessário, neste novo mundo de maior longevidade, mas com qualidade de vida ameaçada.

“Vocês precisam se preservar desses números. Vocês precisam sair dessa estatística e serem os divisores de água que vão para o outro lado da margem do rio e começam a oferecer tratamento”, disse.

O impressionante salto no número de pessoas habitando o planeta, no volume de dados e no uso de equipamentos tecnológicos somado à consolidação do home office etc mudaram o estilo de vida e impactaram profundamente a saúde física e mental. Por isso a necessidade de cuidados urgentes.

“Precisamos cuidar das pessoas, dos colaboradores, de quem está próximo. As pessoas ficaram frágeis diante de tanto desmoronamento, como a pandemia deixou claro”, falou a terapeuta Luciana Ross.

Antes da OMS divulgar seus dados e previsões preocupantes, já se observava uma pressão cada vez maior por habilidades complexas por parte de líderes – grupo que inclui síndicos. Luciana Ross compartilhou essas habilidades, ou soft skills, esperados nos tempos atuais.

E a lista dos aspectos comportamentais, muito mais complexos, é extensa. Veja:

  • Estar apto a resolver problemas complexos;
  • Ter pensamento crítico;
  • Ser criativo;
  • Saber gerir pessoas;
  • Entender de gestão e coordenação;
  • Ter inteligência emocional;
  • Capacidade de julgar e tomar decisões;
  • Servir;
  • Ser um bom negociador;
  • Ter boa capacidade cognitiva e flexibilidade.

Síndica profissional conta como superou burnout e lida com saúde mental nos condomínios

A síndica profissional Juliana Moreira, proprietária da Sindicompany, tem sob a sua responsabilidade a gestão de condomínios que somam mais de 48 mil moradores e 300 funcionários.

Com esse volume de empreendimentos, pessoas, equipe e demandas, não surpreende o fato dela ter chegado ao limite e ser diagnosticada com burnout em novembro de 2020, o ano mais crítico da pandemia de covid-19.

“Durante a pandemia, esteve muito presente nos condomínios para garantir procedimentos de higienização, auxílio ao morador doente, e também para manter a equipe comprometida e unida. Peguei covid 4 vezes”, relata.

Mesmo não parando nenhum dia, chegou a sofrer perseguição de condôminos. “A sensação que eu tenho é que as pessoas acabam canalizando seus problemas para o síndico, esquecento que ele também é um ser humano por trás do cargo. Perdi muitas noites de sono devido à carga mental e muito assédio”, conta Juliana.

Diagnóstico de burnout

Filha de psicóloga, Juliana conta que o tema depressão e saúde mental nunca foi tabu em sua família. A síndica já fazia terapia quando recebeu o diagnóstico de burnout – estresse crônico no trabalho com esgotamento físico e mental – e começou a fazer tratamento.

“Cheguei ao ponto de só conseguir dormir 2 horas por noite porque a cabeça não desligava. Além da pandemia, a pressão dos condôminos, o excesso de problema dos outros e casos de tentativa e de suicídio. Tive crises de ansiedade e fiquei em estado de vigília por 7 meses”, descreve a síndica profissional.

Suicídio em condomínio

Durante a pandemia, houve 7 tentativas de suicídio nos condomínios que Juliana Moreira administra.

“Ajudei pessoalmente em várias ocorrências e conseguiu fazer um resgate. Cheguei a arrombar a unidade e levar o condômino para o hospital. Hoje reconheço que foi um ato intempestivo por ser invasão de uma propriedade privada, mas fiz amparada pela anuência da família, que mora em outra cidade. Mas teve um caso que foi fatal”, lamenta.

Ela esteve presente na perícia e foi a pessoa incumbida de dar a notícia para a família.

Como superou o burnout

A recomendação médica para Juliana Moreira era tirar licença do trabalho. “Mas por ser empresária, o afastamento total era complicado. Eu também era resistente à medicação. Fui parar no hospital numa crise de ansiedade.”

O tratamento incluiu medicação, intensificação das sessões de terapia (algo que ela indica para todos os colegas síndicos) e ampliação da equipe de trabalho.

Juliana criou o departamento de People & Cultures na sua empresa. A área cuida da equipe alocada dentro dos condomínios, é responsável por plano de carreira, desenvolvimento profissional, alinhamento de equipe e desenvolvimento da cultura da Sindicompany nos funcionários que estão alocados nos condomínios. Outra medida foi ampliar a equipe de atendimento dentro dos condomínios.

“O síndico é um para-raio, um centralizador de problemas. Ele acaba sendo um pouco mediador de conflitos, psicólogo, é só problemas. Com esse processo, aprendi, mesmo com dificuldade, a separar a Juliana ‘pessoal’ da ‘profissional’.”

Ela também passou a impor limites aos condôminos que abusam nas solicitações e nas demandas.

“Eu me cuido para poder cuidar dos outros. Porque no final das contas, condomínios são pessoas com um prédio no meio. Este é o maior desafio do síndico: lidar com as pessoas. Conheço síndicos que abandonaram a carreira por não saber lidar ou não conseguir administrar o lado emocional.”

Como o síndico pode conscientizar moradores a cuidar de sua saúde mental

Habitado por milhões de pessoas, os condomínios podem ser mais um espaço não apenas para divulgar informações, mas para promover cuidados efetivos da saúde mental das pessoas.

O gestor tem um papel importante para realizar uma campanha de conscientização, promover o bom aproveitamento dos espaços e áreas de lazer, eventos que fomentam a socialização e palestras.

“Síndicos são indispensáveis e devem se empoderar de sua liderança. Vocês têm nas mãos uma arma para curar as pessoas dos seus condomínios. Montem campanhas de conscientização de cuidados com a saúde, compartilhando esses dados e dicas. Estimule os moradores a se movimentarem a cada 40 minutos, convide-os para descer para se divertirem”, sugere Luciana Ross.

A síndica profissional Juliana Moreira é conhecida por ser “festeira”. Além de eventos e encontros sociais, ela também firma parcerias com empresas de massagem nos condomínio onde tem spa e contrata assessoria esportiva para implantar grade de aulas.

Duas ações de final de ano marcantes que aconteceram em alguns de seus condomínios foram: uma sessão de fotos de família com fotógrafo profissional nas áreas comuns do prédio; brincadeira “Onde está o urso?” que consistia em encontrar e tirar uma foto de um urso inflável que a cada dia era colocado em um local diferente do condomínio.

“Além de incentivar o bom uso, momentos prazerosos e valorização das áreas comuns e do empreendimento, os moradores fazem atividade física e interagem com outros moradores. Eles enxergam valor, vêm retorno”, explica.

Ela vai promover ciclo de palestras sobre cuidados com saúde mental com especialistas para os condôminos para as pessoas saberem como pedir ajudar, priorizando os condomínios onde houve as tentativas e o episódio de suicídio.

Orientações e cuidados com saúde mental para todas as pessoas

Confira abaixo uma série de orientações fornecidas pela terapeuta Luciana Ross que podem ser adotadas por qualquer pessoa e ajudar nos cuidados de sua saúde mental:

  • O estresse é cumulativo, o descanso, não; por isso ele deve ser diário.
  • Atenção ao excesso de estímulo: o sistema nervoso perde a capacidade de se autorregular.
  • Falta de autorregulação do sistema nervoso leva as pessoas a dormirem por exaustão e não por relaxamento. O corpo não aguenta. Aprenda a ficar em silêncio consigo mesmo e relaxar.
  • Não pegue o celular logo que acordar – cuidado com a hiperestimulação.
  • A cura para o burnout é o LAZER.
  • Mexa-se a cada 40 minutos. O nosso quadril não é preparado para ficar sentado de 8 a 12 horas/dia.
  • Levante a cabeça. Não temos pescoço preparado para o “text neck” olhando para o celular/tela muitas horas por dia. Boa parte da dor de cabeça, enxaqueca, exaustão que as pessoas sentem é reflexo disso.
  • Resista a abrir o whatsapp quando encerrar o seu dia de trabalho e voltar para casa.
  • Lembre-se da sacralização da sua casa: cuide dela.
  • Imponha limites aos problemas das pessoas na sua vida. Deixa-as cuidarem de seus problemas e não os pegue para si. Preserve uma relação de respeito.

FONTE: Síndiconet


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