Conselho Fiscal: Guardião das Contas ou Chefe do Síndico?
08 maio | 6 minutos de leituraESCRITO POR: Sergio Paulo da Silva
Sócio da Indep Auditores Independentes, perito contábil, auditor contábil CNAI e membro da Comissão de Contabilidade Condominial do CRC/RJ
Nos bastidores de muitos condomínios, existe uma tensão silenciosa que poucos moradores percebem: o delicado equilíbrio entre o síndico e o conselho fiscal. Embora a lei defina claramente as funções de cada um, na prática, alguns conselheiros acabam agindo como se fossem os verdadeiros chefes do síndico, assumindo um papel que não lhes cabe. Essa confusão de papéis pode gerar conflitos desnecessários e prejudicar o bom funcionamento do condomínio.
O conselho fiscal tem uma missão nobre e essencial: fiscalizar as contas do condomínio e emitir pareceres sobre a prestação de contas do síndico. O Código Civil, no artigo 1.356, deixa claro que sua atuação é consultiva e opinativa. Ou seja, o conselho pode – e deve – analisar documentos, questionar lançamentos financeiros e sugerir correções. No entanto, ele não tem poder de decisão nem autoridade para interferir no dia a dia da administração.
Já o síndico, conforme os artigos 1.347 e 1.348 do Código Civil, é o verdadeiro responsável pela gestão do condomínio. Cabe a ele representar o condomínio legalmente, prestar contas regularmente e tomar as decisões necessárias para preservar o patrimônio e garantir o bem-estar dos moradores. Ele pode ser fiscalizado, mas nunca subordinado ao conselho fiscal.
O problema começa quando os conselheiros ultrapassam seus limites e tentam impor ordens ao síndico, bloqueando ações ou dificultando a administração. Essa postura não só desrespeita a legislação, mas também atrapalha a governança do condomínio. Imagine um cenário em que o síndico precise de “aprovação” do conselho para contratar um serviço urgente, como o conserto de um elevador ou a reparação de um vazamento. A gestão fica engessada, e os prejuízos acabam recaindo sobre os próprios moradores.
Por outro lado, síndicos que ignoram o conselho fiscal também cometem um erro grave. Uma relação saudável entre as partes deve ser baseada no diálogo e no respeito mútuo. O conselho tem o direito – e o dever – de cobrar transparência, apontar irregularidades e sugerir melhorias, mas sempre dentro dos limites de suas atribuições.
A Política do Condomínio e os Riscos da Falta de Transparência
A gestão de um condomínio não é apenas uma questão técnica , é também uma questão política. Decisões tomadas pelo síndico e pelo conselho fiscal afetam diretamente a vida dos moradores, e a falta de transparência pode gerar desconfiança, conflitos e até situações de violência.
A transparência é a base de uma administração eficiente. Quando os moradores têm acesso claro às informações sobre gastos, contratos e decisões, a confiança no síndico e no conselho fiscal aumenta. Por outro lado, a opacidade abre espaço para especulações, acusações e, em casos extremos, para ações judiciais ou até agressões físicas.
O conselho fiscal, quando atua de forma técnica e imparcial, é um aliado fundamental nesse processo. Ele ajuda a garantir que as contas estejam em ordem, que os recursos sejam usados de forma correta e que o síndico cumpra suas obrigações. No entanto, para que isso funcione, é essencial que o conselho não se deixe levar por interesses pessoais ou disputas de poder.
A Importância de uma Auditoria Independente
Uma das formas mais eficazes de garantir transparência e segurança na gestão condominial é a contratação de uma empresa de auditoria independente e legalmente habilitada. Essa prática não apenas fortalece a credibilidade da administração, mas também fornece ao conselho fiscal e ao síndico informações técnicas precisas e imparciais, que servem como base para decisões mais seguras e embasadas.
A auditoria independente mensal pode identificar irregularidades financeiras, apontar falhas na gestão de recursos e sugerir melhorias nos processos administrativos. Além disso, ela serve como um instrumento de prevenção, ajudando a evitar problemas futuros, como desvios de recursos, fraudes ou má gestão. Para o conselho fiscal, esses relatórios são uma ferramenta valiosa, pois fornecem dados concretos para a fiscalização e a tomada de decisões.
Para o síndico, a auditoria é um aliado estratégico. Ela não apenas valida a qualidade de sua gestão, mas também oferece um norte técnico para decisões complexas, como a contratação de serviços, a parte fiscal, de pessoal, entre outros. Em um cenário onde a pressão por cortes de custos é constante, a auditoria ajuda a equilibrar economia e qualidade, garantindo que o condomínio não comprometa a segurança ou o bem-estar dos moradores em nome de uma falsa economia.
A Responsabilidade Civil e Criminal: O Peso das Decisões
A administração de um condomínio não é uma tarefa simples. Síndicos e conselheiros fiscais carregam uma responsabilidade enorme: zelar pelo patrimônio, pela segurança e pelo bem-estar de todos os moradores. Essa responsabilidade não se limita ao aspecto moral – ela também tem implicações civis e criminais.
Responsabilidade Civil do Síndico: O síndico pode ser responsabilizado civilmente por atos ou omissões que causem prejuízos ao condomínio ou a terceiros. Por exemplo, se ele deixar de realizar manutenções essenciais, como a revisão do sistema elétrico ou hidráulico, e isso resultar em um acidente ou dano material, ele pode ser processado pelos moradores ou por terceiros afetados. Além disso, se houver má gestão financeira, como desvio de recursos ou contratação de serviços superfaturados, o síndico pode ser obrigado a ressarcir os prejuízos com seu próprio patrimônio.
Responsabilidade Criminal do Síndico: Em casos mais graves, o síndico pode responder criminalmente por suas ações ou omissões. Se um acidente fatal ocorrer devido à falta de manutenção em áreas comuns, ele pode ser enquadrado em crimes como homicídio culposo (quando não há intenção de matar, mas há negligência). Outras situações, como fraude, apropriação indébita ou falsificação de documentos, também podem levar a processos criminais.
Responsabilidade Civil do Conselho Fiscal: Os conselheiros fiscais podem ser responsabilizados civilmente se falharem em cumprir suas obrigações legais. Por exemplo, se deixarem de identificar irregularidades graves nas contas do condomínio, como desvios de recursos ou fraudes, e isso resultar em prejuízos financeiros para os moradores, eles podem ser processados por negligência. Além disso, se agirem de má-fé ou com intenção de prejudicar o síndico ou o condomínio, podem ser obrigados a indenizar os danos causados.
Responsabilidade Criminal do Conselho Fiscal: Embora menos comum, os conselheiros fiscais também podem responder criminalmente em casos extremos. Se, por exemplo, forem coniventes com práticas ilegais, como fraude ou lavagem de dinheiro, ou se agirem de forma deliberada para prejudicar a gestão do condomínio.
A Importância do Equilíbrio e da Colaboração
A chave para uma administração eficiente está no equilíbrio. O síndico deve agir com responsabilidade, evitando gastos desnecessários e garantindo uma gestão profissional. O conselho fiscal, por sua vez, deve exercer seu papel de forma técnica e imparcial, sem personalismos ou disputas de poder.
Quando síndico e conselho fiscal trabalham juntos, com transparência e respeito mútuo, e contam com o apoio de uma auditoria independente, o condomínio se beneficia de uma gestão harmoniosa, segura e eficiente. No final das contas, não se trata de quem manda em quem, mas de como todos podem colaborar para construir um condomínio melhor, mais seguro e mais justo para todos.
A boa gestão condominial não é apenas uma questão de cumprir regras, é uma questão de zelar pelo bem comum e garantir que todos possam viver com dignidade e tranquilidade. E isso, sem dúvida, é uma responsabilidade que vai muito além da lei.