Governo federal sanciona lei que permite assembleias virtuais nos condomínios
28 abr | 7 minutos de leituraA Lei n° 14.309/22 ainda estabelece a possibilidade de ser instaurada sessão permanente
A pandemia acelerou o uso da tecnologia em diversos segmentos, como na Educação e Saúde, por exemplo. No ambiente condominial, a situação também não foi diferente. O uso das assembleias virtuais foi o caminho para tomar as decisões inerentes a muitos condomínios no período de isolamento social. Quanto à pandemia, os gráficos relativos aos óbitos parecem indicar que o pior já passou. Mas como abrir mão dos recursos que aprendemos a utilizar durante os últimos dois anos?
Com relação às assembleias virtuais, elas vieram mesmo para ficar. Foi sancionada pelo Governo Federal, em março, a Lei nº 14.309/22, que permite a “realização de reuniões e deliberações virtuais pelas organizações da sociedade civil, assim como pelos condomínios edilícios, e para possibilitar a sessão permanente das assembleias condominiais.” Resultado do Projeto de Lei nº 548/2019, de autoria da senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), a nova legislação altera artigo do Código Civil.
Ângela Freitas, sócia-administradora da Teccon, empresa com atuação na área condominial há cerca de 40 anos, foi uma das primeiras defensoras das assembleias virtuais no âmbito dos condomínios em Juiz de Fora. Na visão dela, a nova legislação não vai alterar muita coisa, que, “na verdade, tudo está igual, mas diferente”, brinca. Segundo Ângela, “é rotina de qualquer condomínio realizar as assembleias para resolver pendências e tomar decisões, pelo menos uma vez ao ano, só que, nos últimos tempos, com a necessidade de se adaptar à pandemia, a assembleia tem sido feita de forma virtual para garantir o isolamento.”
Também chamada de assembleia on-line e assembleia digital, essa modalidade, ainda segundo Ângela, “possui a mesma estrutura de funcionamento de uma presencial, porém as barreiras físicas são ultrapassadas, tornando- se uma ótima solução para quem enfrenta problemas para estar presente. Temos um quórum muito maior nas assembleias on-line por facilitar a vida do condômino.” Ela relata que a legislação veio em momento oportuno, já que, com o fim da Lei da Pandemia — Lei 14. 010/2020, que criou o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19), com vigência em 2020 — pairavam dúvidas sobre a legalidade das assembleias virtuais. “O fato é que as assembleias virtuais agora são permitidas por lei, e o condomínio pode, sim, usufruir desse método de assembleia.”
Cuidados a serem tomados
A nova legislação permite que as assembleias sejam realizadas de maneira remota ou híbrida, mas não obriga que sejam feitas dessa maneira. O advogado e consultor jurídico Cristiano de Souza Oliveira atua no segmento condominial em todo o Brasil há cerca de 26 anos. Assim como Ângela, ele acredita que o momento foi oportuno. Quanto aos cuidados que síndicos e administradoras precisam ter para cumprir a nova legislação ao optar por esse modelo de assembleia, Cristiano dá os seguintes conselhos: “Ser transparente, planejar antecipadamente uma assembleia e não deixar assuntos-surpresa tomarem conta. Identificar que a convocação de assembleia não siga mais apenas um padrão, mas que obedeça às normas internas (Convenção e Regimento) e às limitações trazidas por lei.”
Acrescentando acerca do edital de convocação da assembleia, o mesmo precisa trazer informações para garantir o bom funcionamento da assembleia. Segundo Cristiano, o edital “deve conter a convocação e, além do que determina a Convenção, também: que a assembleia será realizada por meio eletrônico, instruções sobre acesso, manifestação e forma de coleta de votos dos condôminos, além de outros particulares que couberem ao condomínio específico.”
Direito a voz e voto
Síndicos e administradoras devem dedicar especial atenção para assegurar voz e voto a todos os condôminos. Para Cristiano, uma boa aula para aprender como fazer isso é assistir à TV Senado ou à TV Câmara, sobretudo sessões em ambientes virtuais, típicas do período de pandemia. Além disso, “uma dica rápida é fazer por chamada oral. Identifica-se cada um chamando e verificando a pessoa logada. Abre-se para uma exposição pelo síndico ou administrador, confere-se direito de falar a cada unidade ou a quem interessar por tempo limitado de até ‘X’ minutos, conforme o tamanho do condomínio, e concede-se direito de réplica, se for o caso”, explica.
Em seguida, o presidente coloca as questões, por meio de perguntas fechadas, que devem ser votadas, e convida os presentes a votar. O consultor jurídico reforça que “a lei determina que esse roteiro deve fazer parte da convocação de forma detalhada, assim como informações de quais dados serão usados para um cadastramento, se necessário, ou mesmo se haverá gravação e para que ela serviria, quem teria acesso e onde seria armazenada.”
Havendo pautas que necessitem de quórum qualificado, deverá a convocação, além das demais exigências, mencionar a possibilidade de conversão da assembleia em sessão permanente, nos termos da legislação vigente”, explica o consultor jurídico.
Não sendo atingido o quórum especial, para que a assembleia seja convertida em permanente, a maioria dos presentes ao encontro poderá autorizar o presidente a instaurá-la. Ao fazer isso, deverão ser indicadas, na hora, data e horário da sessão em seguimento, que não poderá ultrapassar o prazo de 60 dias. Também deve ser informada a pauta específica para a qual se deseja atingir o quórum especial, com pergunta fechada. Outro ponto: devem ser convocados os presentes à assembleia, bem como os representantes das unidades ausentes. Deverá ser feita ata parcial, bem detalhada, da assembleia, juntamente à convocação de todos. Por fim, após cumpridas estas e outras obrigações, deverá ser lavrada a ata consolidada com a decisão tomada pela assembleia permanente.
“As assembleias virtuais agora são permitidas por Lei, e o condomínio pode, sim, usufruir desse método de assembleia”
Acrescentando ao tema das sessões permanentes, Ângela Freitas argumenta que tal sessão pode ficar aberta por até 90 dias quando a deliberação exigir quórum especial previsto em lei ou em Convenção e esse quórum não for atingido. Cabe ressaltar ainda que para a assembleia virtual ser considerada válida, deve levar respeitar alguns requisitos, a saber: seguir os critérios da assembleia presencial dispostos no Código Civil, como o edital de convocação citado anteriormente e o registro de atas; instruir os participantes sobre como participar e votar; e utilizar plataformas confiáveis a fim de evitar fraudes. E se a própria convenção proibir a realização de assembleias virtuais? Como fica essa situação diante da nossa legislação? Segundo Cristiano, “a própria lei permite tal proibição”.
Ainda haverá muita oportunidade para tirar dúvidas sobre as assembleias condominiais virtuais, até porque elas vieram para ficar. Mas, caso algum síndico ou administradora ainda esteja reticente com relação ao uso dessa tecnologia, a experiência vivida por Flaviane Mara Pilate, diretora da Associação de Moradores dos Ranchos de Matias, serve para mostrar que a mudança pode ser positiva em vários aspectos.
“Confesso que no início tive receio, mas foi muito tranquilo. Só tive experiências boas. Participei de quatro assembleias on-line. Na minha gestão, não houve nenhuma presencial em razão da pandemia. Não tive dificuldade alguma. Elas foram muito bem geridas pela equipe da administradora e fluíram muito bem, com muito respeito entre os moradores”, afirma Flaviane.
A associação que ela é diretora conta com 53 proprietários participantes. E os benefícios da atualização da assembleia virtual, mesmo em um ambiente rural, foram muitos. “De vantagens, temos a praticidade de não ter locomoção (ganhamos tempo), cada um fala em seu tempo, sem tumultos, e podemos acessar e participar de qualquer lugar”, comenta Flaviane, acrescentando que a Plataforma Zoom foi a escolhida para utilização. E mesmo diante da novidade, ela conta que não houve resistência por parte dos moradores: “Aqueles que tiveram dificuldades, se manifestaram, mas isso foi por conta de ser um condomínio mais afastado, por não contar sempre com uma boa internet”, relata, acrescentando: “Mas sou totalmente a favor das assembleias on-line, assim como outras funções que a internet veio nos favorecer.”