Fraude: quais cuidados tomar para evitar ser pego de surpresa?

06 jul | 9 minutos de leitura
Fraude: quais cuidados tomar para evitar ser pego de surpresa?
Em uma administradora de Juiz de Fora, a reclamação de síndicos quanto à falta de prestação de contas levou à descoberta de um rombo de mais de R$ 1 milhão

SÍNDICOS, CONSELHEIROS E CONDÔMINOS TÊM PAPEL IMPORTANTE NO CONTROLE DAS CONTAS


Recentemente, veio à tona o caso de uma administradora de condomínios de São Paulo que fechou as portas, levando milhões de reais dos seus clientes. Foram cerca de R$ 30 milhões em desvio de valores de 40 condomínios, localizados principalmente na zona sul da capital paulista. Já há quatro inquéritos policiais abertos, além de vários boletins de ocorrência. Não apenas os condomínios contabilizaram os prejuízos, os colaboradores que trabalhavam nas unidades administradas por eles também foram atingidos.

O caso acendeu um alerta a respeito da importância do acompanhamento das contas (receitas e despesas) e das obrigações trabalhistas por parte dos síndicos, dos conselhos fiscal e consultivo e dos condôminos. A melhor maneira de evitar esse tipo de problema, seja decorrente de má gestão ou desonestidade, é prevenir. A prestação de contas deve ser uma rotina frequente, com acompanhamento feito por síndicos, conselheiros e condôminos.

“Uma recusa de prestação de contas por parte do síndico e/ou administradora deve acender um alerta”

“É muito importante o condomínio contratar uma administradora séria e bem avaliada no mercado, que tenha boas práticas de administração e que esteja inscrita no CRA (Conselho Regional de Administração), que é o órgão regulamentador da profissão. Outro aspecto importante é saber quais são os recursos oferecidos pela empresa que vão ajudar o síndico a ter uma prestação de contas transparente e induvidosa”, aponta o sócio proprietário da Angelo & Ferrari Administração de Condomínios, Sérgio Mazzeu Ferrari.

Ele destaca, ainda, a importância de estar atento a indícios de que as contas não estão indo bem. “Uma recusa de prestação de contas por parte do síndico e/ou administradora sempre deve acender um alerta. Além disso, contas sendo pagas em atraso, fornecedores indagando a falta de pagamento e falta de informações sobre extratos e saldos devem ser levados em conta. Vale salientar que o síndico e a administradora não estarão disponíveis 24 horas para apresentar as contas, no entanto é preciso entender a dúvida do condômino e agendar um atendimento para saná-la adequadamente.”

EM JUIZ DE FORA

Foi justamente a reclamação de síndicos quanto à falta de prestação de contas e à cobrança de multas e juros em boletos, além da identificação de não pagamento de uma Guia de Previdência Social (GPS), que acenderam o alerta da sócia proprietária de uma empresa do ramo imobiliário e de administração de condomínios, localizada em Juiz de Fora, que pediu para não ser identificada.

Ela e seu sócio foram vítimas da ação fraudulenta de uma então também sócia na empresa que possui 35 anos de mercado. “Ela esteve conosco por 17 anos e era quem gerenciava mais de 40 condomínios, passiva e ativamente. Identificamos que as fraudes vinham sendo praticadas há muito tempo. A pandemia possibilitou que o rombo aumentasse ainda mais. Foi aí que tudo veio à tona.”

De acordo com ela, com a pandemia, as assembleias não estavam sendo normalmente realizadas, o que fez com que a acusada de fraude deixasse de prestar contas. “Entre janeiro de 2021 e abril de 2021, recebemos várias reclamações de síndicos a respeito da prestação de contas. Eles questionavam por que não estava sendo feita, e a resposta dela era de que estava organizando pastas e documentos. Até que começamos a ser pressionados por esses síndicos. Um deles nos procurou porque a GPS estava atrasada. Tratava-se de um condomínio de alto padrão, o que não justificava o atraso no pagamento da guia.”

“PREJUÍZO PASSOU DE R$ 1 MILHÃO”

Após os questionamentos por parte dos síndicos, os sócios proprietários da empresa começaram a investigar. “Foi aí que puxamos o novelo. Percebemos que havia algo muito errado e resolvemos tirar a Certidão Negativa de Débito de todos os condomínios. Descobrimos, então, o que vinha sendo feito por ela, que falsificou extratos bancários, atas de assembleias… Ela sacava dinheiro nos bancos usando atas falsificadas. Registramos prejuízos de R$ 180 mil, R$ 120 mil em diversos condomínios. O prejuízo total passou de R$ 1 milhão”, relata a proprietária, que acrescenta que um síndico chegou a ir até à delegacia, prestar queixa contra a mulher, que teria fugido da cidade com a família.

Para Ângela, novos conceitos surgem para incentivar a cultura da honestidade e aperfeiçoar a qualidade na gestão administrativa

Após descobrirem as irregularidades, o primeiro passo foi afastar a acusada das atividades. “Entramos na justiça nos âmbitos civil e criminal, já que se trata de estelionato e apropriação indébita.” Em seguida, conforme relato dela, os sócios optaram por agir com transparência. “Reunimos com todos os condomínios prejudicados, expondo toda a situação, sem mexer na documentação que ela havia deixado. Propusemos acordos e todos entenderam. Muitos parcelaram a dívida por terem compreendido que fomos vítimas também, outros aceitaram o pagamento de 50% do valor total. Em breve, conseguiremos terminar de quitar tudo.”

ALERTA

Para a proprietária, a situação pela qual passou trouxe muito mais do que prejuízo financeiro. “Serve como alerta para síndicos, conselho fiscal, conselho consultivo e condôminos, afinal, se houvesse acompanhamento das contas, a situação não teria chegado ao ponto que chegou. A maioria não tem o costume de acompanhar mensalmente a documentação. Digo mais, não basta olhar e confiar apenas em papéis, é preciso conferir se o dinheiro está lá no banco, como está sendo movimentado. No caso do qual fomos vítimas, o dinheiro constava apenas nos extratos falsificados por ela, no banco não havia nada. É importante, ainda, tirar o Nada Consta a cada seis meses”, alerta, afirmando que essa não é uma situação incomum. “Sei de casos de administradoras que passaram por situações parecidas com funcionários.”

“A melhor maneira de evitar este problema é prevenir”

“O DINHEIRO SUMIU”

Um dos condomínios lesados é comercial e está localizado na região central de Juiz de Fora. Seu síndico, que está na função há cinco anos, preferiu não se identificar. Ele conta que começou a desconfiar devido às negativas quanto à prestação de contas. “Pedia a prestação de contas, ela não mandava e dava sempre uma desculpa. Comecei a verificar, então, que as contas de luz e de água estavam com cobrança de multas e juros por falta de pagamento. Ela alegava que os atrasos eram em função das dificuldades advindas da pandemia. Quando a situação foi identificada e confirmada pelos outros sócios, contratei um advogado, que apurou e constatou que foram mais de R$ 180 mil de prejuízo.”

Com a falta do dinheiro que havia sido retirado pela mulher, obras que precisavam ser feitas não puderam ser executadas. “Não podia contratar o serviço porque o dinheiro sumiu. Com isso, tivemos problemas de vazamentos em algumas salas por falta de manutenção no telhado.” Ele afirma que o rombo trouxe uma lição: “Agora estamos com muita cautela, síndico e conselho sempre atentos à prestação de contas, às contratações…”.

Para Sérgio, contas pagas em atraso e falta de informações sobre extrato e saldos são indícios de que as contas não estão indo bem

“Quem possui o mau hábito de fraudar as contas do condomínio encontrará as possibilidades, seja no recebimento indevido de valores, notas superfaturadas e/ou falsificação de documentos. Daí a importância de o condomínio eleger um conselho fiscal competente e atuante, que poderá acompanhar os relatórios e pagamentos, verificando se todas as contas estão em dia e se os serviços estão sendo contratados de acordo com valores de mercado”, destaca o administrador Sérgio.

IMPLICAÇÕES PARA O SÍNDICO

Sérgio explica que se as contas do síndico forem reprovadas em uma assembleia ordinária, o ideal é criar uma comissão para avaliar quais foram os motivos da reprovação. “Em caso de insucesso desta comissão em sanar as dúvidas apontadas na assembleia, o condomínio deve contratar uma empresa especializada para assessorar neste processo. Identificada qualquer fraude e prejuízo para os demais condôminos, o síndico deverá ser notificado para corrigir ou restituir ao condomínio, sob pena de ser acionado judicialmente e responder inclusive com o próprio patrimônio.”

TECNOLOGIA E AUDITORIA SÃO ALIADAS

Sérgio lembra que, com a tecnologia, é possível fornecer aos síndicos e demais condôminos, relatórios e informações cada vez mais atualizadas acerca das contas do condomínio, “evitando que esses dados sejam apresentados somente no dia da assembleia ordinária, ocasião em que não é possível sanar todas as dúvidas”. Com a tecnologia, é fácil controlar pagamentos e extratos bancários pelo próprio celular ou computador, e tirar, sem custo, inclusive, a certidão negativa da administradora ou do síndico.

Outra importante aliada contra fraudes é a auditoria, que poderá atuar de forma investigativa ou preventiva

Outra importante aliada contra fraudes é a auditoria, que poderá atuar de forma investigativa ou preventiva, evitando irregularidades trabalhista, financeira, fiscal e de gestão. “No caso da auditoria investigativa, o objetivo é identificar possíveis problemas nas contas do condomínio. Neste caso, a empresa que prestará serviço de auditoria irá avaliar toda a documentação da gestão e verificar se tudo foi feito em conformidade ou não. No caso da auditoria preventiva, periodicamente, as contas do condomínio são avaliadas e, quando necessário, são corrigidas. Nesta modalidade, o síndico e administradora têm a segurança de contar com uma empresa especializada em assessorar o condomínio no cumprimento das obrigações legais e contratuais, além de fortalecer os controles internos para reduzir perdas e aprimorar uma cultura de transparência.”

Ciente das responsabilidades da administradora e dos síndicos, e tendo como premissas a moralidade, a transparência e a lealdade, a Teccon Administradora está implantando um programa de compliance condominial, “um conjunto de disciplinas para fazer cumprir as normas legais, bem como evitar, detectar e tratar qualquer desvio ou inconformidade que possa ocorrer”, informa a proprietária, Ângela Galhardo de Freitas.

Ela explica que “todas as atividades condominiais mensais estarão registradas e disponíveis a todos os colaboradores e condôminos, podendo ser analisadas a qualquer momento. Já detectamos fraudes em alguns condomínios, uma ocorrência inaceitável que fere a ética profissional. Penso que novos conceitos surgem para incentivar a cultura da honestidade e aperfeiçoar a qualidade na gestão administrativa”, pondera.

FONTE: Revista O Síndico – Edição 54


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