Entrevista: Francisco Egito explica a natureza multidisciplinar do condomínio
22 nov | 7 minutos de leitura
Palestrante confirmado para o 14º Dia do Síndico, marcado para o dia 23 de novembro e promovido pela revista O Síndico, pelo SíndicoJF Mídias Digitais e pela Associação de Administradoras de Condomínios de Juiz de Fora e região, Francisco Egito é o entrevistado desta edição.
Diretor do Grupo Francisco Egito, ele é advogado, administrador, contador e corretor, além de coordenador de pós-graduação do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Jurídicas (CBEPJur), diretor da Revista dos Condomínios, diretor do curso Aprimora, coordenador da UNICRECI-RJ, atuando, ainda em negócios imobiliários e condominiais.
Confira a entrevista em que ele explica a origem e a natureza multidisciplinar dos condomínios.
O Síndico – Para começar, gostaria que você falasse sobre a origem dos condomínios.
Francisco Egito – O condomínio surge dentro do direito de propriedade e do esforço jurídico para harmonizar o uso da propriedade por mais de um titular. Esforço histórico, desde Roma. A propriedade em condomínios surge dentro da comunidade familiar confrontando com a relação exclusiva do titular sobre a coisa. O condomínio geral foi desenvolvido como um modo de exercício de propriedade simultâneo por mais de um titular. O direito desenvolve um jogo de normas que viabiliza esse exercício dentro da harmonia possível. Historicamente, a propriedade foi criando novas formas de utilização, como a propriedade vertical, uma propriedade sobre a outra, que é o embrião do condomínio edilício. O condomínio edilício surge no início do século passado, dentro da urbanização, crescimento, verticalização e adensamento das cidades. Ele é uma especialização do condomínio em geral e o direito desenvolve nele uma estrutura normativa, com todo um complexo de normas e órgãos para viabilizar sua existência e o dota de ferramentas, de órgãos de gestão, como o órgão executivo, o síndico; o órgão de assessoramento, o conselho consultivo; o órgão deliberativo e normativo, a assembleia de condôminos; o órgão de controle fiscalizatório, que é o conselho fiscal.
E de onde vem a ideia da natureza multidisciplinar do gestor condominial?
Todo condomínio precisa de gestão e direcionamento de seus recursos – espacial, temporal, humano, material, tecnológico, financeiro – para alcançar suas finalidades coletivas, de manutenção da propriedade dos sistemas e instalações prediais, por meio de um conjunto normativo, para a harmonização do direito entre vários titulares, proporcionando uma vida o mais harmônica possível. E o gestor condominial tem atuação multidisciplinar, pois lida com diversas áreas, como a própria manutenção dos sistemas e instalações prediais, a gestão de conflitos entre os seus membros, a gestão de pessoas, gestão orçamentária e financeira, gestão patrimonial, sendo diversas as áreas que a gestão abrange. O condomínio recebe ainda o afluxo de outras ciências. No início, o próprio direito, como função normativa, estruturante do condomínio; e ainda a sociologia, para entender um pouco o grupo social que o compõe e suas interações, os processos sociais decorrentes, como a comunicação, a coalizão, a cooperação, o conflito, a competição; a engenharia, para tratar dos sistemas de instalações prediais entregues com a incorporação; a manutenção dessa propriedade; a contabilidade, para entender o patrimônio, orçamento e finanças; a administração, para entender os diferentes processos que ali acontecem, o planejamento, organização, direção e controle. Mesmo que a ciência ainda não tenha se desenvolvido especificamente para condomínios, a gestão é praticada de modo empírico rudimentar, então, a administração é mais uma ciência que pode contribuir com seu conhecimento. A administração como ciência que estuda as organizações humanas, e o condomínio é uma organização humana, se caracteriza por ser multidisciplinar, e o síndico, como alguém multidisciplinar que pratica a gestão do condomínio é como capitão dessa nau condominial, e precisa de profissionais especializados nas diversas áreas atinentes ao condomínio para lhe socorrer.
Comente sobre as funções gerenciais do síndico dentro da gestão condominial.
Embora de maneira empírica ou por improviso, ou seja, sem uma formação de administração, o síndico planeja, organiza, dirige e controla. Dentro do planejamento, falamos de objetivos, metas de curto, médio e longo prazo, que ele terá que realizar. Começa com uma previsão orçamentária para o exercício fiscal, passa pelos recursos que ele poderá alocar, despesas que poderá incorrer, obras que vai realizar. O que ele vai priorizar naquela gestão é planejamento. Organização é o corpo social daquele organismo onde cada coisa tem seu devido lugar. Por corpo social entendemos órgãos e funções, quem vai realizar o quê, de acordo com a convenção do condomínio, ou o síndico pode estruturar isso dentro das possibilidades que a função diretiva o dota. Ele pode também alterar a convenção e criar outros órgãos de gestão. A parte de direção é arte e técnica. Por técnica, ele aplica as normas condominiais, faz cumprir a convenção. Já por arte, ele precisa lidar com pessoas; ter meios persuasivos para resolução de conflitos; precisa se comunicar; liderar; dar ordens e instruções. Por controle, ele vai verificar aquilo que está sendo realizado; monitorar; revisar o que foi planejado; verificar se está adequado e tomar as ações necessárias. De maneira muito sintética, essas são as funções gerenciais aplicadas à realidade do condomínio, que mesmo sem formação, entendimento e administração, ele acaba praticando por empirismo.
Diante de toda essa complexidade como fazer uma gestão condominial eficiente?
A gestão eficiente só será realizada quando tivermos profissionais especializados e gestores preparados. O economista Max Weber, na teoria da burocracia, concebe que a sociedade hoje, pós-industrial, é uma sociedade burocrática, não no sentido pejorativo, mas no sentido de uma sociedade em que a razão é aplicada. É uma gestão baseada em normas e regras, na impessoalidade e na profissionalização de seus membros. Portanto, para ser eficiente, toda organização humana tem que ter profissionais de carreira treinados e vocacionados para essa finalidade. Nesse sentido, o condomínio, sendo uma organização doméstica composta por amadores e leigos, enfrenta grandes desafios. E aí abre-se espaço para os gestores profissionais, que cada vez mais se especializam e entendem o que é um condomínio e como a gestão se faz necessária.
Fale sobre os processos de aprendizagem dos síndicos para o desempenho da função.
Os gestores condominiais adquirem sua experiência por meio da vivência prática, não por meio de uma instituição que mede, ensina e avalia, nem de um processo de ensino-aprendizagem estruturado. Outros já adquirem conhecimento em um processo pedagógico deliberadamente construído e estruturado em que o educador mede, ensina e avalia dentro de uma organização escolar. Essas são as duas formas de preparação do síndico e, em ambas, ele precisa do auxílio de profissionais especializados como advogado condominial, engenheiro condominial, uma boa administradora de condomínios, contador condominial, e tantos outros que poderão lhe socorrer no seu mister.
De que forma você vê o futuro da gestão condominial?
A gestão condominial vem saindo do modelo amador para um paradigma de gestões profissionais, cada vez mais eficientes e eficazes na busca por resultados e metas, desperdiçando menos recursos, focando nos objetivos do próprio condomínio, no bem-estar dos condôminos, na valorização das unidades condominiais, na manutenção do patrimônio, dos sistemas e instalações prediais, na boa harmonia entre os moradores. E ainda gestão com foco na redução de conflitos, no tratamento adequado da inadimplência, na celebração de contratos justos com profissionais especializados e adequados à realidade do condomínio, implantação de princípios de governança corporativa, de compliance… Essa é uma tendência na mudança de modelo de gestão amadora para o modelo de gestão mais profissional.